Anúncios nas redes sociais oferecem criação de contas falsas para motoristas em aplicativos
25/08/2025
(Foto: Reprodução) Anunciantes prometem criar contas falsas para motoristas de aplicativos de transporte
Anúncios de vendas de contas falsas em aplicativos de transporte, como Uber e 99, são facilmente encontradas nas redes sociais, com valores que variam de R$ 150 a R$ 500. Os falsos vendedores prometem contas para quem já foi banido das plataformas e até para quem não possui carteira de habilitação.
✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp
Na Grande Fortaleza, o uso de contas falsas é denunciado por motoristas que também reclamam das fraudes para elevar as tarifas dinâmicas. O problema das tarifas se soma às irregularidades já conhecidas por eles: perfis de falsos motoristas criados para quem não se adequa aos critérios das plataformas.
Com ofertas encontradas em uma busca simples nas redes sociais vinculadas à Meta, os anunciantes prometem aos interessados criar contas falsas para diversas situações. Dentre elas, para:
Condutor que tem veículo mais antigo do que os anos aceitos pelas empresas de aplicativo
Quem está com a documentação do veículo atrasada
Quem não possui a Carteira Nacional de Habilitação (CNH)
Quem não possui habilitação com atividade remunerada (a sigla EAR, que significa 'Exerce Atividade Remunerada' na carteira de habilitação)
Condutor que já foi banido das plataformas.
Conforme os supostos vendedores, a pessoa que adquirir o serviço ilegal terá a conta falsa feita com a própria foto, o primeiro nome e a conta bancária vinculada. O g1 entrou em contato com dois destes anunciantes (confira conversas no vídeo acima).
Os envolvidos podem ser autuados pelo crime de falsidade ideológica. A prática é considerada proibida pelas empresas e, se identificada, pode levar ao banimento das contas (veja respostas das empresas no fim da reportagem).
Promessa de contas liberadas no mesmo dia
Anúncios de contas falsas para motoristas de aplicativo são encontrados nas redes sociais
Reprodução
O g1 entrou em contato com dois desses anunciantes com contatos encontrados nas redes sociais, em anúncios publicados para quem acessa tendo Fortaleza como localização.
O primeiro usa um número com DDD de Amazonas. Por mensagens do WhatsApp, o vendedor respondeu que estava comercializando apenas contas da 99.
“A Uber caiu faz tempo, a conta não dura e não vendo”, disse o anunciante à reportagem.
O anunciante oferece uma conta falsa de carro ou moto da 99 por R$ 400, sendo R$ 50 de entrada, além de sete pagamentos diários de R$ 50, quitados somente após a conta ficar ativada no celular do comprador.
LEIA TAMBÉM:
Polícia Civil investiga fraude de R$ 115 mil contra a Uber; alvos usaram inteligência artificial para burlar app
Motoristas que fraudavam preços no Uber ameaçaram quem se recusava a entrar no esquema, diz polícia
Motociclistas são detidos na Grande Fortaleza suspeitos de manipular app para elevar preço de corrida
O anunciante destaca que não é necessário a pessoa ter habilitação ou o veículo em dias para obter a conta. Ele ainda alerta que, se o comprador não realizar o pagamento, terá o veículo bloqueado pelo vendedor da conta falsa.
“O não pagamento fazemos o bloqueio permanente da conta e aplicamos multas no veículo.”
Como referência da garantia do serviço ilegal, o vendedor disponibiliza o link de um grupo com mais de 180 participantes que, segundo ele, já contrataram o serviço.
Anúncios nas redes sociais prometem contas falsas para motoristas de aplicativo sem habilitação ou critérios exigidos pelas plataformas
Reprodução
Outro anunciante, com DDD do Rio de Janeiro, oferece as contas por R$ 250, se for para a plataforma 99. O valor é de R$ 450 se for para Uber, com promessa de liberação da conta falsa em 2 horas.
"Sem habilitação usamos conta fake. Nunca tivemos problema. Tem pessoas trabalhando há mais de dois anos na plataforma", disse o anunciante.
Ao ser questionado se há algum risco de adquirir a conta fake, o vendedor admite que existe a possibilidade.
"Até hoje não tive problema, mas não vou mentir, pode existir a possibilidade sim. [...] Inclusive, sou motorista de moto", falou o vendedor.
Contas banidas, carros antigos e pessoas sem habilitação
Motoristas e passageiros denunciam uso de contas falsas nas plataformas de transporte por aplicativo
Reprodução
Um motorista por aplicativo em Fortaleza, que preferiu não ser identificado, afirma que o comércio ilegal de perfis acontece de forma ‘escancarada’ em grupos de Whatsapp e no Facebook.
Ele afirma que as contas falsas também são utilizadas por motoristas que fraudam as tarifas dinâmicas (veja detalhes mais abaixo).
“Muitos desses motoqueiros rodam com conta fake, é uma falha no sistema em todo o Brasil. Dá pra comprar a conta fake de motorista. Ela é R$ 700 colocando a sua facial. Sem facial, ela é R$ 300. E o passageiro fica refém desse motorista. Os dados dele não batem corretamente, ele pode fazer o que quiser com o passageiro”, denuncia.
Como explica, a prática ilegal costuma ser usada por pessoas que tiveram contas de motorista banidas pela plataforma, voltando a trabalhar com contas falsificadas.
➡️ Alguns motivos podem levar ao banimento dos motoristas, como: documentos vencidos, problemas nas checagens de segurança, atividades fraudulentas, direção perigosa, agressões e até casos de assédio.
Outro trabalhador por aplicativos, que atua há mais de seis anos na região metropolitana de Fortaleza, aponta que um dos dados falsificados no comércio ilegal de contas é o ano do veículo.
Para atuar nas plataformas, os motoristas precisam cadastrar um carro ou motocicleta que esteja dentro da lista de veículos elegíveis. Para Fortaleza, ele exemplifica que somente modelos a partir de 2010 são aceitos na Uber.
“Isso acontece muito. Esses camaradas que fazem essas contas fake vivem disso mesmo. Eles pegam um veículo que não tá dentro do prazo, porque a plataforma bloqueia [um modelo mais antigo] imediatamente. Só que ele manda a foto como se fosse de 2020, consegue burlar o sistema”, conta o motorista.
Outras práticas apontadas por ele são de motoristas que alugam contas de terceiros, também considerada uma forma de comercialização dos perfis da plataforma, e a circulação de condutores sem habilitação.
Por vezes, as duas práticas acontecem ao mesmo tempo: pessoas sem habilitação que alugam a conta de uma pessoa com documentos aprovados pelas plataformas.
“Eu conheço muito ‘motoUber’ que trabalha e não tem CNH. No carro, o passageiro pode até tentar ver se a pessoa é a mesma porque a gente trabalha com o rosto limpo, o máximo que a gente usa é óculos, um boné. Mas é bem mais difícil ver isso com o motoqueiro que vem de balaclava e capacete”, comenta o denunciante.
Contas falsas para burlar o descanso obrigatório
Comercialização de contas de motoristas em aplicativos é prática proibida
Reprodução
Embora os usuários de contas falsas façam de tudo para não parecer que estão trabalhando na ilegalidade, nem sempre a farsa passa despercebida pelos passageiros do aplicativo. Foi o que ocorreu com uma moradora de Fortaleza, que terá a identidade preservada.
No início de agosto, a mulher solicitou uma corrida pelo 99 para sair com a família. Quando o veículo chegou, conferiu que a placa era a informada no aplicativo. Porém, ao entrar no carro, percebeu que o motorista não era o mesmo da foto mostrada.
Ao questionar o condutor, ele admitiu para a usuária que estava usando uma conta falsa.
"A justificativa dele era que a sua renda diária se resumia só a corridas e, com 12 horas seguidas de uso do aplicativo, os motoristas eram obrigados a ‘parar’ para descansar. Sendo assim, ele começava a usar a outra conta para continuar a rodar na plataforma", relatou a passageira.
A ‘obrigação de parar’ citada pelo motorista que atendeu a cearense é uma ferramenta adotada pelas empresas de transporte por aplicativo. Com isso, após 12 horas consecutivas de corridas, contadas a partir do momento que a pessoa recebe a primeira corrida do dia, o aplicativo desconecta automaticamente o motorista por 6 horas.
Ainda conforme a passageira, o condutor disse também que o uso de conta falsa para burlar o descanso obrigatório é uma prática comum entre quem trabalha com veículos de aplicativo.
"Ele falou que eles pagam uma pessoa para fazer a conta, e o esquema todo é comprado", disse a passageira.
Na plataforma 99, o limite de horas em corridas de 12 horas é uma ferramenta para evitar a fadiga do motorista. Conforme publicado pela empresa, a fadiga reduz a atenção do motorista ao trânsito e aos perigos, diminuindo o tempo de reação em uma situação de possível acidente.
Uso indevido de contas na fraude das tarifas dinâmicas
Motociclistas se reúnem para manipular preços de corrida em aplicativo
Acontece em Itaitinga
Em reportagem exclusiva no dia 15 de agosto, o g1 revelou o esquema realizado entre motoristas da Uber para manipular os preços das corridas na Grande Fortaleza.
A fraude é realizada por grupos com dezenas e até centenas de motociclistas e motoristas que ficam parados em postos de gasolina ou ruas escolhidas em regiões mais afastadas.
Os motoristas agem de forma coordenada para gerar uma tarifa dinâmica na região. Denunciantes relataram ao g1 que o esquema também faz uso de contas falsas para ajudar a inflar o pedido por novas corridas. Além de contas falsas de motoristas, existe a manipulação das contas de passageiros.
De acordo com o delegado Josafat Filho, titular da Delegacia de Cascavel, responsável pela prisão de 15 motociclistas envolvidos na fraude das tarifas, os casos envolvem o uso indevido de contas de terceiros e o aluguel de perfis já existentes.
“Geralmente eles estão munidos de dois ou três celulares e utilizam perfis de familiares que não sabem, são laranjas, não sabem que estão sendo utilizados aqueles perfis deles. Mas também eles conseguem arregimentar pessoas, outros indivíduos que cedem essas contas por um valor mensal”, explicou em entrevista à TV Verdes Mares.
Com outros celulares, os grupos de motoristas utilizam o aplicativo como passageiros e pedem corridas ao mesmo tempo.
Isso gera mais perfis solicitando corridas no mesmo local, fazendo com que a plataforma automaticamente eleve os preços naquele horário.
➡️ A tarifa dinâmica é um recurso utilizado pelos aplicativos quando a demanda está muito alta, como em horários de pico, grandes eventos e dias com mau tempo.
O problema tem sido relatado em municípios como Caucaia, Pacatuba, Horizonte, Aquiraz, Eusébio, Guaiuba, Pacajus, Itaitinga, além de pontos mais periféricos de Fortaleza, como no bairro Siqueira.
Crime de falsidade ideológica
Entenda o crime de falsidade ideológica
Com a inserção de dados falsos nos sistemas das plataformas, as pessoas envolvidas com a comercialização e utilização das contas falsas podem responder pelo crime de falsidade ideológica.
Previsto no artigo 299 do Código Penal, o crime consiste em omitir informações ou inserir declarações falsas ou indevidas em documentos públicos ou particulares com o fim de prejudicar ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
A pena para o crime de falsidade ideológica é de prisão de 1 a 5 anos e multa para documentos públicos. Para documentos privados, a pena é de 1 a 3 anos de prisão, além de multa.
Motoristas enfrentam dificuldades para se sustentar
Motoristas relatam dificuldades para se manter trabalhando para aplicativos.
Divulgação
Os motoristas que querem seguir as regras para exercer a atividade são afetados diretamente em um cenário de fraudes cometidas por terceiros, comprometendo a credibilidade do serviço para os usuários.
Este aspecto se soma às dificuldades para tirar o sustento com o serviço atualmente. Perdas na renda, exaustão e ausência de vínculos formalmente reconhecidos têm contribuído para piorar as condições do trabalho, conforme Robinho Patrício, presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos de Fortaleza e da Região Metropolitana (Sindiaplic).
Os preços repassados pelas plataformas aos motoristas fazem parte das dificuldades apontadas pela categoria.
“A gasolina, quando começou essa operação da Uber [em Fortaleza] era R$ 2,80 no início. Hoje, passa dos R$ 6. Peças e serviços também dobraram [de valor], e nunca teve um reajuste. [...] Porém, as plataformas aproveitaram para aumentar a margem de lucro e não repassaram para o motorista”, afirma Robinho.
O presidente comenta que boa parte dos motoristas trabalha em carros alugados, precisando pagar cerca de R$ 850 por semana. Com isso, o lucro deles só vem depois que as corridas cobrem o valor do aluguel e do combustível.
Uma das expectativas da categoria é o processo de regulação da atividade dos motoristas de aplicativo, com projeto de lei que ainda não foi votado no Congresso Nacional.
Conforme Robinho, o papel atual de sindicatos e federações é de mobilizar deputados para que o marco legal a ser discutido traga conquistas favoráveis aos trabalhadores, com melhorias na remuneração e no espaço de negociação com as empresas.
“Os fatores que precarizam o trabalho de motoristas aplicativos são vários porque antigamente, quando essa alta dos preços dos insumos não nos afetava muito, a maioria dos motoristas de aplicativos nunca sentiram falta de direitos porque a remuneração era mais ou menos justa”, destaca Robinho.
O presidente faz um comparativo baseado na experiência como motorista: para faturar valores conquistados com 8 horas de trabalho há cerca de dez anos, o trabalhador precisaria, atualmente, dirigir por aproximadamente 16 horas.
“Tem sido muito difícil, ao longo dos anos, os motoristas por aplicativo sobreviverem nessa profissão. Muitos estão voltando para o CLT”, aponta Robinho.
O sindicato optou por não tecer comentários sobre o comércio ilegal de contas de motoristas das plataformas.
O que dizem as empresas
O g1 solicitou informações à Meta, perguntando sobre a política da empresa para excluir anúncios que configuram práticas criminosas e quais ferramentas são utilizadas para identificar anúncios com práticas ilegais. A reportagem também forneceu prints dos anúncios encontrados durante a apuração. A assessoria de comunicação da Meta respondeu que a empresa não irá comentar.
Também foi solicitado o posicionamento da Uber, com informações sobre os anúncios encontrados nas redes sociais. Além disso, a reportagem perguntou sobre os requisitos para o cadastro de motoristas, os motivos para banimento de contas e as medidas implementadas ou previstas para impedir o comércio ilegal de contas falsas na plataforma.
A Uber respondeu que “não foi possível verificar os casos, pois não foram fornecidas à empresa informações suficientes para checar se há relação com o aplicativo da Uber”.
A plataforma 99 informou que o perfil é de uso exclusivo e intransferível, e que a empresa adota política de tolerância zero para fraudes de qualquer natureza.
“A empresa iniciou uma apuração interna para identificar e bloquear as contas fraudadas e segue à disposição das autoridades para colaborar com as investigações. Para coibir ações como essas, a 99 investe continuamente em novas tecnologias e no aprimoramento de suas ferramentas que checam a autenticidade das informações do condutor e verificação de histórico público, por meio da verificação de documentos como CPF, CNH e licenciamento do veículo”, diz a nota.
A 99 também orienta que os passageiros verifiquem se a imagem do condutor e as informações do veículo batem com o que está sendo mostrado no aplicativo. Ao identificar indícios de irregularidade, os usuários podem registrar denúncia na Central de Ajuda, disponível 24 horas.
O g1 também procurou a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que reúne empresas de tecnologia prestadoras de serviço, com a Uber e a 99.
A associação informou que a segurança de parceiros e usuários é prioridade em suas operações, não sendo autorizado nenhum tipo de comercialização de contas.
“O uso de contas falsas é uma prática proibida, podendo levar a implicações legais para os envolvidos. As plataformas possuem sistemas que buscam inibir práticas fraudulentas que, quando detectadas, são punidas inclusive com o banimento das contas”, diz a nota.
A associação informa, ainda, pontos reproduzidos abaixo:
Para utilizar o aplicativo, o motorista deve cadastrar na plataforma seus dados pessoais, documentos e foto, possuir carteira de habilitação regular, além de passar por checagem regular de apontamentos criminais, entre outras exigências.
É preciso registrar dados do veículo a ser utilizado, seja carro próprio, alugado ou de terceiros, cuja documentação deve estar em dia.
Os dados do motorista parceiro e automóvel são validados em sistema oficial do governo.
Como forma adicional de segurança, é solicitado periodicamente aos motoristas parceiros selfies para confirmar a identidade do condutor.
As denúncias de irregularidades e fraudes são verificadas por equipes internas das associadas e são tomadas as ações necessárias, que variam de acordo com a pertinência e a gravidade, cujas medidas punitivas podem levar ao banimento das contas.
As empresas têm equipes especializadas para colaborar com as autoridades nas solicitações de dados, respeitando-se a legislação relativa à privacidade.
“As plataformas investem e trabalham continuamente para buscar cada vez mais proteção por meio de ferramentas tecnológicas que atuam antes, durante e depois de cada viagem”, conclui a nota da associação.
Assista aos vídeos mais vistos do Ceará: