Não consegue sair da internet? Hiperconexão prejudica atenção, memória e sono, alertam especialistas

  • 14/12/2025
(Foto: Reprodução)
Uso excessivo de celular e redes sociais pode levar a prejuízos para funções cognitivas Ver um filme inteiro sem parar ou olhar o celular. Fazer uma refeição sem checar notificações. Completar um treino na academia sem verificar as redes sociais entre um exercício e outro. Tarefas como estas são simples, mas parecem quase insuportáveis para quem está imerso em uma rotina hiperconectada. O uso excessivo das telas e das redes sociais é capaz de alterar o funcionamento do cérebro e trazer impactos diversos: da capacidade de atenção aos transtornos para a saúde mental. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 Ceará no WhatsApp Especialistas ouvidos pelo g1 elencam alguns dos efeitos prejudiciais de estar sempre conectado e de forma quase automática, sem monitorar a própria relação com o mundo virtual. Para quem se sente culpado, vale lembrar: os mecanismos por trás das redes sociais estimulam o consumo excessivo. ➡️ Algumas dicas podem ajudar a treinar o cérebro de volta: priorizar conteúdos mais longos, escolher atividades livres das telas, fazer rituais para proteger o sono e até mesmo embarcar em um 'detox' mais radical. Pessoas comuns ouvidas para essa reportagem partilham suas tentativas, entre sucessos e recomeços, de retomar o controle sobre os próprios hábitos. A convite da reportagem, elas fizeram pequenos experimentos ao abrir mão de alguma rede social por poucos dias. Dificuldades para a atenção, memória e outras funções Uso excessivo das telas pode comprometer funções cognitivas, como atenção e memória Reprodução/EPTV As funções cognitivas envolvem áreas diversas do cérebro e incluem a atenção, a memória, a linguagem e o raciocínio, por exemplo. Em outras palavras, elas nos ajudam a perceber, interpretar e utilizar as informações que recebemos. No entanto, o uso excessivo dos celulares e das redes sociais pode comprometer o bom funcionamento destas funções. Conforme destaca Janaína Melo, professora do curso de Psicologia e da pós-graduação em Psicomotricidade na Universidade Estadual do Ceará (Uece), a convivência com o mundo virtual é bastante recente na história humana, e as pessoas não tiveram um preparo para o uso saudável. O que ela observa na clínica e nos relatos da atualidade é uma tendência de utilizar as redes sociais como uma das formas para preencher vazios existenciais. O modelo das redes sociais é atrativo para isso. Com acesso fácil a conteúdos rápidos e mediados por algoritmos personalizados, o usuário vai se habituando aos picos de liberação da dopamina, neurotransmissor do cérebro ligado à motivação e ao estímulo reforçador. LEIA TAMBÉM: Usuários acreditam ser ‘viciados’ no Instagram, mas só 2% têm sintomas; entenda por que percepção exagerada faz mal 'Cérebro podre': entenda o que é 'brain rot', expressão do ano de 2024 eleita pelo Dicionário Oxford Quem dorme tarde tende a se viciar mais em redes sociais? Pesquisa alerta para dependência entre jovens A mente até suporta o ritmo hiperconectado, mas alguns danos podem ser percebidos mesmo a curto prazo. Um dos impactos possíveis é o comprometimento da cognição. “A gente aguenta no sentido de funcionar, tanto que as pessoas permanecem [consumindo], mas isso é adoecedor. Porque a gente vai meio que se adaptando, digamos assim, e se viciando nessa dopamina. Você vai recebendo muitas informações que são prazerosas, curtas e que não exigem de você um esforço cognitivo para processar aquilo”, explica Janaína. A psicóloga elenca alguns exemplos práticos dos prejuízos: resistência para a leitura e para assistir filmes de longa duração, menor capacidade de se concentrar, dificuldade em finalizar atividades, pioras no rendimento no trabalho ou nas atividades domésticas. Quando as distrações estão sempre ao alcance da mão, manter a concentração vira um desafio, como aponta a psiquiatra Lia Sanders, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Unichristus. “Essa capacidade é moldada pelos nossos hábitos: quem se acostuma a focar por poucos segundos tem dificuldade para assistir a um filme inteiro ou ler um livro. Em outras palavras, quanto mais fragmentada nossa atenção, mais difícil é manter o foco por longos períodos”, constata. Um dos efeitos que muitas pessoas vivenciam atualmente, segundo a psiquiatra, é ‘passar’ por diversos assuntos rapidamente, sem tempo ou disposição para se aprofundar. Mais velocidade, menos qualidade Consumo constante de vídeos curtos traz riscos para cognição e saúde mental dos usuários Adobe Stock Os vídeos curtos publicados nas redes sociais revolucionaram o entretenimento e a comunicação nos últimos anos, dominando o cenário digital como principais fontes de informação e engajamento. É o que descreve um estudo de pesquisadores da Universidade de Griffith, da Austrália, publicado em novembro de 2025 na revista científica Psychological Bulletin, trazendo uma análise de pesquisas anteriores sobre os efeitos destes conteúdos para a cognição e a saúde mental. No campo da cognição, a pesquisa aponta que o consumo excessivo de vídeos curtos tem sido mais associado a prejuízos para a atenção e para o controle inibitório — habilidade para controlar ou inibir respostas impulsivas ou automáticas diante das situações. Para a saúde mental, o uso é associado com a ansiedade e o estresse, podendo também ter relações com depressão, solidão, piora na qualidade do sono e na sensação de bem-estar. Como descreve o estudo, a exposição repetida a esse tipo de vídeo e à constante liberação de dopamina pode levar o usuário a responder menos às fontes habituais de recompensa positiva no cotidiano, aumentando a suscetibilidade à ansiedade e à depressão. Publicado em 2024 na revista World Journal of Advanced Research and Reviews, um outro estudo vinculado a seis universidades norte-americanas revisa os impactos das redes sociais na saúde mental. O estudo aponta algumas possibilidades positivas de estar no mundo virtual, como a criação de redes de amigos e conhecidos, diminuição de barreiras geográficas e empoderamento de vozes marginalizadas nas plataformas digitais. No entanto, também são descritos alguns efeitos negativos da exposição às redes sociais: dificuldade de regular as emoções, comportamentos compulsivos a partir do excesso de uso e quadros de depressão e ansiedade. 💡 Dicas dos especialistas As estratégias para lidar com o consumo excessivo de telas variam de acordo com a realidade e as necessidades de cada um. De um modo geral, vale a pena tentar identificar quantas horas no dia são dedicadas ao mundo virtual e comparar com as outras atividades da rotina, como indica a psicóloga Janaína Melo. ➡️ Abaixo estão dez dicas dos especialistas ouvidos por esta reportagem e que podem ser úteis para reduzir os danos de um ritmo hiperconectado: Utilizar ferramentas que informam a quantidade de tempo que você gasta em cada aplicativo do celular, ajudando a analisar o que você gostaria de reduzir. Utilizar aplicativos de bloqueio para restringir o uso do celular após um horário configurado pelo usuário. Desinstalar aplicativos de redes sociais durante a semana em períodos que exigem mais concentração de estudos, como nas preparações para provas e concursos. Preferir estudar no computador em vez de escolher o celular. Ou estudar em tablets sem instalar aplicativos que possam interferir, como WhatsApp e Instagram. Substituir o consumo de vídeos curtos por conteúdos mais extensos e que exijam esforço cognitivo. Um exemplo é buscar vídeos mais longos sobre temas de seu interesse no Youtube. Outra é tentar focar por mais tempo em filmes e livros. Buscar momentos de silêncio durante o dia para vivenciar o tédio: períodos ‘sem fazer nada’ para um tempo de descanso para a mente. Substituir o tempo nas telas por atividades manuais ou desconectadas do mundo virtual, como pintura, leitura e artesanato. Buscar atividades que trazem a mente para o momento presente, fora das telas. Alguns exemplos são: ir ao teatro, caminhar e observar a natureza. Fazer as refeições, lavar a louça ou até mesmo fazer o treino na academia sem assistir vídeos ou sem acessar redes sociais e aplicativos de mensagens. Proteger a qualidade do sono, fazendo rituais para desacelerar antes de dormir (veja mais no tópico sobre o sono nesta reportagem) ‘Falsa sensação de companhia’ Sacha Nogueira relata experiência após passar três dias sem Instagram ‘Eu não fico sem o celular de jeito nenhum’, comenta a enfermeira e professora universitária Sacha Nogueira, de 39 anos. A convite do g1, ela fez um pequeno experimento de detox digital por três dias (confira o relato no vídeo acima). E escolheu desinstalar o Instagram, a rede social que utiliza praticamente o dia todo. Sacha se identifica com o conceito conhecido como FOMO (‘fear of missing out’, do inglês, e traduzido por ‘medo de ficar de fora’). O problema é caracterizado como uma ansiedade relacionada ao mundo que acontece dentro das telas. "Eu sinto que eu preciso estar conectada, parece que eu preciso saber das coisas e que tudo tem que ser resolvido muito rápido: responder o e-mail, responder o WhatsApp”, exemplifica. Para ela, a rede social traz uma falsa sensação de companhia. Quando não está se policiando, ela abre o aplicativo automaticamente até enquanto está lavando a louça em casa. A enfermeira consegue identificar mudanças no próprio comportamento em relação a quando não tinha redes sociais. “Eu conseguia passar horas lendo um livro. Agora não… Agora eu percebo que eu fico muito dispersa, já quero olhar alguma coisa no celular. Para assistir um filme, eu fico com o celular na mão olhando as redes sociais”, conta. Quando as telas atrapalham o sono Luminosidade e interatividade do uso das telas são principais fatores que atrapalham o sono Pexels O uso excessivo das telas traz aspectos que podem afetar a qualidade do sono. Os danos podem repercutir no dia seguinte e formar um ciclo vicioso de irritabilidade e cansaço, de acordo com o neurologista Manoel Alves Sobreira Neto, vinculado ao departamento de Medicina Clínica da UFC. Ele aponta que dois elementos principais alteram o sono: Luminosidade: a exposição às telas no período noturno, principalmente poucas horas antes de dormir, atrapalha a produção natural da melatonina, hormônio que auxilia a regular o ciclo do sono (também chamado de ciclo circadiano). Interatividade: verificar as mensagens e acessar conteúdos rápidos e estimulantes pouco antes de dormir mantém o estado de alerta, dificultando o início e a manutenção do sono. No cérebro, a região do hipotálamo contém o núcleo supraquiasmático, que funciona como um marca-passo e regula parte dos ritmos circadianos: ciclos do corpo que levam um período de 24 horas para acontecer. Este ‘grande regente’ do cérebro regula os horários em que devemos estar dormindo e estar acordados. A luminosidade é um dos fatores importantes para orientar esse ciclo, explica o neurologista. Quando a noite chega, o corpo deveria começar a entender que é momento de desacelerar. No entanto, as luzes das telas à noite podem confundir o sistema nervoso. “Essa diferença de luminosidade entre o dia e a noite acaba não acontecendo. Então, é perdido para o nosso cérebro um marcador importante dos ritmos circadianos. Isso faz com que algumas pessoas tenham dificuldade de sincronizar durante as 24 horas. Tem pessoas que, por conta dessa exposição à luminosidade, dormem mais tarde e acordam mais tarde. E tem pessoas que, às vezes, ficam com o sono completamente irregular”, exemplifica Manoel Alves. Para proteger o sono, ele indica que é necessário criar verdadeiros rituais, se desligando do celular e das telas pelo menos duas horas antes do início do sono. ➡️ Algumas dicas gerais para melhorar o sono são: Deixar de usar o celular e outros equipamentos luminosos cerca de 2 horas antes de dormir Priorizar refeições mais leves nas últimas horas do dia Apostar em rituais para desacelerar antes de dormir, como tomar um banho, ler um livro físico com capítulos curtos ou organizar objetos se preparando para o dia seguinte. Na manhã, garantir a luminosidade para que o corpo também entenda o tempo de ter mais energia para as atividades. O impacto das alterações na qualidade do sono é variado. A curto prazo, os efeitos podem ser sonolência excessiva durante o dia, irritabilidade e desregulação hormonal. Caso a situação se prolongue, o risco é acrescido até mesmo para doenças cardiovasculares. Para além dos distúrbios do sono, o neurologista alerta para o consumo excessivo das telas em qualquer horário do dia. A sobrecarga de estímulos e os conteúdos rápidos e superficiais comprometem funções necessárias para a interpretação de contextos mais complexos e para a resolução de problemas. ‘Desbloqueio mesmo sem ter nada pra fazer’ Kesia Moniely partilha efeitos de passar três dias sem redes sociais Com um aplicativo para monitorar o tempo de tela, a lighting designer Kesia Moniely, sabe que passa cerca de 3 horas por dia conectada durante a semana. Nos fins de semana, quando não está no trabalho, esse tempo de tela sobe para 7 horas diárias. Ela se reconhece como uma pessoa ‘extremamente viciada’ e sente que viveria melhor se conseguisse sair do Instagram e desinstalar o Whatsapp. A pedido da reportagem, Kesia também fez um pequeno experimento de 3 dias sem redes sociais (confira o relato no vídeo acima). O desejo é de deixar de gastar tempo com informações consideradas inúteis e que atrapalham a produtividade. “Muitas vezes pego o telefone e desbloqueio mesmo sem ter nada pra fazer, só pelo prazer de ficar mexendo”, reconhece. Kesia partilha que é praticamente impossível assistir algum conteúdo mais longo sem fazer pausas para checar as mensagens e redes sociais. “E nem é porque o que estou assistindo é chato, é sempre por hábito mesmo”, explica. Hiperconectados, mas com quem? Conexão intensa com mundo virtual pode levar a isolamento social e sensação de solidão Maíra Cabral/TV Globo O movimento de pegar o celular e checar as redes é quase automático. Nestes momentos, é possível entrar em contato com centenas e até milhares de outras pessoas. Porém, a conta não fecha: como mostram as pesquisas, solidão e isolamento são aspectos vinculados ao uso excessivo das telas. Segundo a psicóloga Janaína Melo, as dinâmicas virtuais têm levado a um cenário de maior desconexão das pessoas com os vínculos reais. “A gente nunca esteve tão pouco conectado com a realidade. Essa hiperconexão é virtual, não é uma hiperconexão com o mundo real. É importante se ligar que essa hiperconexão não é nas nossas relações com o mundo físico”, aponta a pesquisadora. Como efeitos de um consumo excessivo, também são relatadas as dificuldades em manter conversas presenciais e em aprofundar conexões interpessoais. Na avaliação da psicóloga, esta dinâmica fragiliza os relacionamentos, com interações mais efêmeras e utilitaristas. O tempo que é perdido com as pessoas mais próximas tende a ser preenchido com recortes das vidas de influenciadores e até mesmo de pessoas desconhecidas ao redor do mundo. “Como as redes mostram versões idealizadas das pessoas, é comum surgirem comparações e frustrações, o que pode afetar a autoestima e deslocar as relações reais para o ambiente virtual”, destaca a psiquiatra Lia Sanders. Como enfatiza a psiquiatra, valorizar as interações presenciais e o contato “olho no olho” também é um fator que fortalece a capacidade de atenção, ajudando também a consolidar vínculos reais. O acesso a estilos de vida construídos para as redes sociais também resulta em prejuízos para a autoestima e para , conforme o estudo publicado em 2024 na revista World Journal of Advanced Research and Reviews. A pesquisa cita o impacto negativo para a percepção dos usuários sobre a própria realidade a partir da comparação feita com o que se vê nas telas: imagens idealizadas e vidas editadas. ‘Você acaba se comparando’ A fonoaudióloga Giuliana Teixeira, de 43 anos, entende que o conteúdo mostrado nas redes sociais passa por seleções e filtros diversos. E isso parte dela também: ao publicar fotos quando ela participa de corridas, ela admite que descarta as opções com ângulos desfavoráveis ou expressões que não ficaram tão boas. “Eu não vou postar que eu tô feia, eu vou postar que eu tô bonita. Eu não vou postar uma foto minha chorando com problema, vou postar a minha de meta batida, de uma festa, viajando… Eu não vou postar a minha vida sofrida na rotina”, comenta. Para ela, é importante lembrar destas escolhas para proteger a autoestima enquanto usa as redes sociais. Nem sempre é fácil. Ela explica que é mais comum se sentir inferior ao receber conteúdos de pessoas com resultados extraordinários nas dietas, no trabalho ou até mesmo nos produtos consumidos. Além dos efeitos da comparação, problemas sentidos no corpo motivaram a fonoaudióloga a se policiar e fazer pausas no uso das redes. No mês de setembro, foram 30 dias sem Instagram. O desafio foi estabelecido pelo companheiro dela, que até fez uma brincadeira e prometeu uma quantia em dinheiro se ela conseguisse. Os benefícios foram além do prêmio recebido. “Eu sabia que era uma coisa que estava me fazendo mal. Com o tempo que eu gastava, com as dores nas costas que eu sentia quando eu largava o celular, no pescoço, na região cervical... Eu estava deixando de estudar, deixando de assistir a um filme, deixando de fazer minhas leituras que eu gosto. Estava me consumindo negativamente”, comenta Giuliana. Depois dos primeiros dias, ela conta que parou de abrir o celular de forma automática. Foi assim que ela percebeu que recorria às redes sociais até mesmo nos poucos segundos em que estava parada no trânsito. Quando está sem as redes sociais, a diferença é clara. A dificuldade em ler pelo menos cinco páginas de um livro abre espaço para um ritmo de leitura com 15 a 20 páginas diárias. “Com o vício da internet, é como se o meu cérebro estivesse se esgotando”, resume. Assista aos vídeos mais vistos do Ceará:

FONTE: https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2025/12/14/nao-consegue-sair-da-internet-hiperconexao-prejudica-atencao-memoria-e-sono-alertam-especialistas.ghtml


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